sábado, 3 de dezembro de 2011

Reportagem globo.com 03/12/2011


03/12/2011 08h00 - Atualizado em 03/12/2011 10h04

Lembra Dele? ‘Rei das praias’, Neném curte a vida como técnico no Qatar

Nove vezes campeão do mundo pela seleção e maior artilheiro com a amarelinha, o ex-jogador agora promove futebol de areia no país asiático


Por Ana Carolina Fontes
Rio de Janeiro

Até hoje, ninguém fez mais gols que Neném pela seleção brasileira de futebol de areia: 336 ao todo. Irreverente e com muito bom humor, ele marcou a "época de ouro" da modalidade, ao lado de craques como Zico, Júnior, Claudio Adão, Paulo Sérgio e Edinho. Aos 37 anos, o artilheiro não deixou as areias, mas agora atua como técnico e tem uma missão: há um ano à frente da seleção do Qatar, ele tenta desenvolver o futebol de areia, que ainda engatinha no país asiático.
- Sempre tive uma personalidade forte. Hoje mais do que nunca. Mudei de comandado para comandante. Além de passar a minha experiência, preciso ser mais 'vaselina' e ter jogo de cintura, a gente sabe como jogador é. O futebol de areia é diferente de todos os esportes, dinâmico, só quem jogou sabe. Procuro não inventar muito.
O “Rei da Praia” conta que começou no esporte em 1994.
- O Júnior e o Edinho me convidaram para jogar na areia e eu topei. Logo que entrei, disputei a minha primeira Copa América, com o Jorginho (atualmente na seleção) e os caras que tinham vindo da Copa de 1982. No meu primeiro Mundial, seria eu ou o Jorginho, e acabei sendo escolhido. Eu era o único novinho no meio deles.
Neném comemora gol, com Benjamim atrás (Foto: Arquivo Pessoal)Observado por Benjamin, Neném comemora um de deus 336 gols pela seleção (Foto: Arquivo Pessoal)


















O ex-jogador deixou as areias em 2009, depois de sofrer uma lesão no joelho enquanto defendia o Rio de Janeiro no Campeonato Brasileiro de seleções. Mas antes mesmo de parar de jogar, já começou a atuar como técnico. Devido a uma experiência de sucesso no comando do time japonês Requios, pelo qual também foi campeão como atleta em 2006, recebeu um convite para treinar a seleção japonesa em 2007. Na ocasião, levou o país ao terceiro lugar no Mundialito de Futebol de Areia, em Portugal, atrás apenas dos anfitriões e do Brasil.
Neném, Zico, Júnior, Paulo Sérgio, Magal (Foto: Arquivo Pessoal)Em pé: Zico, Júnior, Paulo Sérgio e Renan. Abaixo:
Claudio Adão, Júnior Negão, Neném e Magal
(Foto: Arquivo Pessoal)
A campanha despertou a atenção no Oriente Médio. Em 2010, Neném foi convidado a liderar um projeto de futebol de areia no Qatar, na Península Arábica, país que será a sede da Copa do Mundo de futebol da Fifa em 2022.
- O futebol de areia ainda é uma novidade, e o Qatar está iniciando o projeto de montar uma seleção, com jogadores que vêm do futebol de campo e do futsal. Precisamos começar do zero. É uma nova fase da minha vida. Não espero sair daqui enquanto não fincar uma raiz. Se for para ficar uns cinco anos, eu fico. Sei da minha capacidade. Estamos montando uma base e um centro de treinamento. O trabalho está sendo aos poucos, ainda tenho dificuldades em formar um grupo. Daqui a uns dois, três anos teremos uma seleção competitiva. Vamos focar primeiro na Ásia para depois disputar campeonatos na Europa e no mundo - analisou o treinador, que tem a Katara Beach, uma das praias particulares da região, como seu "escritório".
Neném como novo técnico do Catar na Península Arábica (Foto: Arquivo Pessoal)Neném posa como novo técnico da seleção do Qatar, na Península Arábica (Foto: Arquivo Pessoal)
Entre as dificuldades encontradas neste início de projeto, o grande desafio do técnico é driblar a ausência de profissionalismo no futebol de areia do país. Segundo ele, alguns jogadores trabalham em outras áreas, como diretores de futebol, por exemplo, enquanto outros são acomodados pelo dinheiro que já têm.
- Tenho sete bons jogadores no time, mas não posso cobrar como acontece no futebol de campo. Preciso saber lidar, trazer esses caras para mim e mostrar que o futebol de areia é uma realidade. Às vezes, oito atletas vão ao treino, em outras vão apenas três. Estou aqui para que o esporte cresça. Cheguei há um ano e já estamos com esse desenvolvimento adiantado, mas ainda falta profissionalismo. Se tiver um campeonato em Dubai, por exemplo, tenho que perguntar se todo mundo estará disponível.
Oportunidade financeira x adaptação à nova cultura
Neném, assim como Marcelo Mendes - atual treinador da seleção dos Emirados Árabes -, faz parte de uma nova filosofia adotada por alguns países do Oriente Médio: depois que o futebol de areia ganhou a chancela da Fifa, em 2005, os técnicos brasileiros viraram as apostas para desenvolver o esporte em terras árabes. Mas, apesar da boa oportunidade financeira, eles precisaram se adaptar à nova cultura e à religião islâmica. Durante a temporada na Ásia, o maior artilheiro da amarelinha se surpreendeu com alguns costumes inusitados.
Neném e o camelo no Catar futebol de areia (Foto: Arquivo Pessoal)Neném encontra um camelo em uma praia do Qatar, a sua nova casa na Ásia (Foto: Arquivo Pessoal)
- Na hora da reza em direção à Meca (cidade na Arábia Saudita sagrada para o islamismo), todo mundo para, dá sete ajoelhadas no chão e depois volta às atividades. Aqui tem muitos feriados religiosos. No Eid Mubarak, tipo o Natal deles, ficamos 20 dias sem treinar. No Ramadã (mês em que os muçulmanos praticam o jejum ritual e a renovação da fé islâmica), por exemplo, fiquei dez dias sem treinar, e os jogos só aconteciam depois das 18h, já que começam o jejum às 6h e só terminam às 18h, sem comer e beber - contou o ex-jogador, que revelou sentir falta de sua igreja no Brasil e admitiu ter dificuldades com a língua local.
Da areia para o gramado, filho tenta caminho diferente
Neném e o filho Caio, na época em que ele ainda jogava pelo Fluminense (Foto: Arquivo Pessoal)Neném e o filho, Caio, na época em que ele ainda
jogava pelo Fluminense (Foto: Arquivo Pessoal)
Além do projeto da seleção asiática, Neném tem mais um desafio: ajudar o filho mais novo, Caio, a se firmar no futebol de campo, modalidade que chegou a praticar no início de sua carreira em clubes como Fluminense e Cruzeiro, por exemplo. Este ano, o menino foi dispensado pelo Tricolor Carioca, mas se destacou no Campeonato Sub-17 das UPPs de futebol de areia, disputado em julho em Copacabana, no Rio de Janeiro. Na ocasião, ele foi campeão pelo Babilônia, ao lado irmão Caíque e do amigo Benjamin Júnior, filho do craque Benjamin.
- Quando comecei na areia, eu jogava no campo ao mesmo tempo. Passei por muitos clubes, mas não tive cabeça para seguir nos gramados. Mas a vida do Caio é o futebol de campo, ele tem tudo para ser um grande jogador. A minha família já estava aqui e resolvi trazê-lo para cá, onde tem muitos times para se jogar. Ele vai ter que começar do zero, futebol é assim. A experiência aqui está sendo muito boa, a única coisa é que não tem aquele clima e aquela badalação do Brasil - afirmou o ex-jogador, que atualmente vê o filho defender o Qatar Sport Club, um dos principais times de futebol do emirado.
Seleção brasileira: mágoa e planos futuros
Diferentemente da sua época, a seleção brasileira não é mais a soberana nas areias. Após perder para os russos a final da Copa do Mundo da Fifa, disputada no mês de setembro em Ravenna, na Itália, a equipe canarinho vive um processo de renovação. Sob novo comando, o escrete foi mais uma vez superado pelo time europeu na decisão do Torneio Internacional de Dubai, realizado em novembro, nos Emirados Árabes. Gustavo Zloccowick, o Guga, substituiu Alexandre Soares após o Mundial.
Neném posa com os prêmios que conquistou na carreira do futebol de areia (Foto: Arquivo Pessoal)Neném posa com os prêmios que conquistou ao longo da carreira no futebol de areia (Foto: Arquivo Pessoal)
- Faltou mais comando, havia coisas que aconteciam debaixo do pano, mas prefiro não falar. A seleção foi bem, mas não estava jogando com alegria. É preciso ter critério na escolha dos jogadores. O futebol de areia está muito robotizado, isso fica muito feio até para quem vê. Hoje não temos mais aquele jogador que parte para cima, não faz uma jogada de efeito, aquele gol bonito, bons dribles. Sempre joguei o futebol com show, sem deixar de ter objetividade. Quando perdemos a Copa do Mundo, em 2005, eu e o Jorginho ficamos afastados, mas fizemos muito pela seleção. Não houve bem uma renovação depois disso, foi mais pessoal do que por união. A seleção precisa estar acima de qualquer um - lembrou.
O futebol de areia está muito robotizado, isso fica muito feio até para quem vê. Hoje não temos mais aquele jogador que parte para cima, não faz uma jogada de efeito, aquele gol bonito, bons dribles."
Neném
O craque aproveitou para parabenizar Guga pela oportunidade à frente do time verde-amarelo e pediu paciência aos torcedores nesse período de renovação. Começando a carreira como treinador, Neném admitiu ainda que não descarta comandar a seleção brasileira no futuro.
- Se eu disser que não, é mentira, mas deixo que Deus tome conta da minha carreira. É prematuro dizer que estou preparado. Quem sabe daqui a uns três ou quatro anos. Sempre joguei e honrei a camisa da seleção. Sou o que sou graças a ela e ao povo, que sempre me teve como um ídolo. Quero ir pela minha competência. Consegui realizar todos os meus sonhos no futebol de areia, fui campeão de tudo. Agora quero ser reconhecido como treinador e conquistar um título pelo Qatar
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